E.
Este
colóquio foi elaborado para a aula de Hermenêutica no Seminário
Teológico. As três postagens abordam três assuntos específicos: Relação entre Fé
e Obras, Ordenação Feminina ao Pastorado e as palavras de Jesus sobre
Pedro ser ou não a Pedra. Este primeiro texto aborda o primeiro assunto
mencionado. Então vamos aprender um pouco mais sobre a Palavra de Deus nessa primeira postagem.
Qual a relação da fé salvífica de Paulo em Efésios
2.8 com a questão das obras em Tiago 2.24?
Análise
Histórico-Cultural: O
problema que Paulo enfrentava era o da oposição de pessoas que confiavam na sua
guarda da lei para salvação (como ele mesmo havia feito durante o seu período
farisaico); assim, ele ensinava que a pessoa era justificada pela fé à parte
das obras da lei – isto é, obras feitas como meios de comprar a salvação. Desde
cedo Paulo enfrentou aqueles judeus que começaram a fazer parte da igreja e
queriam que todos os crentes, gentios ou não, guardassem a lei, mais
especificamente a circuncisão, caso contrário, não seriam salvos. Isso
ocasionou inclusive o primeiro concílio da igreja em Atos 15.
Tiago, porém, estava combatendo pessoas inclinadas a pensar que uma
crença meramente intelectual nas verdades do Cristianismo era suficiente para a
salvação. É de comum acordo entre a grande maioria dos estudiosos que mesmo
sendo uma epístola geral, Tiago estaria dirigindo-se a uma comunidade de
judeus, percebemos pela sua saudação e analogias utilizando o A.T.
Análise Gramatical:
“ὁρᾶτε
ὅτι ἐξ ἔργων δικαιοῦται
ἄνθρωπος καὶ οὐκ ἐκ πίστεως µόνον”.
Tiago. 2.24
“τῇ γὰρ
χάριτί ἐστε
σεσῳσµένοι
διὰ πίστεως· καὶ
τοῦτο οὐκ ἐξ ὑµῶν
θεοῦ τὸ δῶρον”.
Efésios 2.8
Tanto
Paulo como Tiago referem-se à palavra fé nos dois versículos
analisados. A palavra obras que Tiago usa é também a mesma que Paulo usa nas
suas epístolas. Mas Paulo a usa acompanhada da palavra “Lei”. Deve-se
notar, no entanto, que as obras sobre as quais Tiago escreve não são as mesmas
que Paulo tinha em mente. Paulo, em sua argumentação, sempre usa a expressão
“obras da lei” ou “obras de lei” (ergon nomou), quando diz que somos
justificados à parte das obras (Romanos 3.20, 28; Gálatas 2.16). Quando Tiago
fala de obras, por outro lado, ele não as chama de “obras da lei”, mas
simplesmente “obras” (ergon).
Análise teológica:
Pelo contexto das espístolas paulinas que tratam desse assunto mais
profundamente como Romanos e Gálatas, percebemos claramente Paulo combatendo
claramente a salvação através das obras da lei. Resta a questão do que significa, no dizer de
Tiago, que alguém é justificado pelas obras (Tiago 2.21,24). Está ele
contradizendo Paulo? Não se entendermos corretamente o uso que Tiago faz da
palavra “justificar” (dikaioo). Quando Tiago diz que Abraão foi justificados
pelas obras ao oferecer Isaque sobre o altar (v.21), não está negando que
Abraão foi realmente justificado muito tempo antes que isso ocorresse – quando,
segundo Gênesis 15.6, “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para
justiça”. O ponto que Tiago focaliza é que “foi pelas obras que a fé se
consumou” (eteleiothe – “chegou aos seu objetivo) (v.22); ou seja, que a obra
de oferecer Isaque revelava que a fé pela qual Abraão havia sido justificado
era a fé verdadeira. Essa obra mostrava que a fé de Abraão era genuína. Sugiro,
então, que o entendimento de dikaioo em Tiago signifique: “ser revelado como
justificado”. James Packer coloca assim:
Em Tiago 2.21, 24, 25 sua referência [a dikaioo] é prova de sua aceitação
por Deus, que acontece quando suas ações mostram que ela tem o tipo de fé viva
e operosa à qual Deus imputa justiça. A justificação que Tiago enfoca não é a
aceitação original por Deus, mas a subsequente reivindicação de sua profissão de
fé em sua vida. É na terminologia, não na teologia, que Tiago difere de Paulo.
O verso 24 poderia, então, ser traduzido assim: “Você vê que um homem é
revelado como justificado pelas obras e não pela fé somente”, isto é, que uma
pessoa não será justificada pela fé que permanece só, mas pela fé que revela
sua genuinidade por meio de obras de graciosa obediência.
Assim, a despeito da aparente contradição entre Paulo e Tiago, há aí uma
profunda unidade. Paulo concordaria com Tiago que só a fé viva justifica. Paulo
e Tiago concordariam com o dito de Calvino:
“É a fé sozinha que nos
justifica, mas no entanto, a fé que justifica não está sozinha”.
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