“Conhecer
a história de homens que foram usados por Deus para impactar sua geração é algo
que todo cristão deve fazer. Ao conhecer um pouco mais de suas vidas, somos
confrontados a viver da mesma forma que esses homens e nos entregarmos a Deus
para sua obra. Espero que você seja inflamado com a chama que um dia inflamou o
coração desse pregador chamado George Witefield”. (Jhonathan
Alves)
Aí está
por que, digo eu, é certo celebrarmos a memória deste homem. Este homem foi
simplesmente um fenômeno. Não houve homem nenhum que fosse mais bem conhecido
em Londres há duzentos anos, do que este homem, George Whitefield. Quais são os
fatos a respeito dele? Deixem-me dar um breve sumário, a fim de tentar
propiciar uma conceituação do fenômeno conhecido como George Whitefield. Como
já lhes fiz lembrar, ele nasceu em Gloucester, na Estalagem do Sino ("The
Bell Inn"), em 16 de dezembro de 1714. Muitos dos seus antepassados tinham
sido clérigos da Igreja da Inglaterra, porém o seu pai não. Seu pai era o zelador da Estalagem do Sino, em Gloucester, e ali ele passou a sua meninice. Seu
pai morreu quando ele era muito jovem, e Whitefield nos conta em seu diário
que ele caiu em muitos pecados, na maioria daqueles pecados nos quais a juventude tende a cair. Mas nunca foi feliz,
sempre teve uma consciência sensível. Abandonou a escola por um tempo,
porém depois começou a achar que estava
errado. Durante o tempo em que deixou a escola, só esteve ocupado em
servir bebida, segundo o costume daquele bar de Gloucester. Todavia a sua consciência ainda o perturbava, e
ele voltou para a escola, e finalmente pôde conseguir ingresso numa
faculdade, em Oxford. Ali,
como digo, recebeu a influência daquele
Clube Santo que tinha sido formado por Charles Wesley e alguns outros, e
que mais tarde recebeu a adesão de João Wesley. Tendo concluído o seu curso em
Oxford, foi ordenado pelo bispo Benson,
bispo de Gloucester naquele tempo, em 20 de junho de 1736, na idade de vinte e um anos. Pois bem, o bispo Benson tinha
feito uma regra segundo a qual não ordenaria ninguém com menos de vinte
e três anos de idade, mas tendo ouvido o que ouvira sobre esse moço
extraordinário, e tendo se encontrado pessoalmente com ele, resolveu quebrar a
sua própria regra, pelo que o ordenou
embora ele tivesse apenas vinte e um anos.
Em 27 de
junho, uma semana depois da sua ordenação, ele pregou pela primeira vez em
Gloucester, na Igreja de Sta. Maria, a Cripta, onde havia sido batizado na
infância e tinha participado pela primeira vez da Ceia do Senhor. Naturalmente,
este evento causou muito interesse, e talvez algum entusiasmo. Sua mãe era
muito conhecida como zeladora da Estalagem do Sino, e todos os parentes e
amigos, e outros, vieram ao culto; o resultado foi que a igreja ficou repleta.
Ora, este é o ponto interessante: logo neste primeiro sermão ele mostrou que
era um homem à parte, que havia algo incomum
acerca dele. O efeito sobre os ouvintes foi tremendo. Foi dito mais
tarde, e até foi levado ao conhecimento do bispo, que quinze pessoas tinham
ficado loucas por causa daquele sermão. O bispo Benson era um homem sábio, e
correu a informação de que o seu comentário foi: "Tudo que desejei e esperei
foi que a loucura não fosse esquecida antes
do domingo próximo seguinte".
Todavia, ele era um homem sábio, e compreendeu que ali estava um
pregador deveras incomum. Já o primeiro
sermão de Whitefield o marcou como um pregador inteiramente excepcional,
na idade de, lembrem-se, vinte e um anos.
Não devo cansá-los com mais detalhes. Ele veio a Londres pela primeira vez em agosto
do mesmo ano de 1736. Seu primeiro sermão em Londres foi pregado em Bishopgate. O posto
que veio a ocupar consistia em atuar como substituto do capelão da Torre
de Londres, porém lhe foram dadas oportunidades de pregar noutros lugares e,
de novo, no momento em que começava a pregar ele atraía a atenção, e atraía
multidões. O povo jamais ouvira pregação como a dele. Em vez de ler um prosaico
tipo de ensaio, que se supunha servir como um sermão, ele era um homem que
pregava com todo o seu ser, com autoridade, poder e convicção - e,
imediatamente, toda vez que pregava, as igrejas ficavam cheias, atulhadas.
Depois de
passar cerca de dois meses aqui em Londres, ele foi substituir um amigo numa
paróquia de Hampshire. Deu-se ali exatamente o mesmo. Como resultado disso,
foram-lhe oferecidas muitas paróquias e se lhe apresentaram muitas possibilidades e perspectivas de êxito e de
progresso na Igreja da Inglaterra.
Mas, sob a influência dos seus amigos João e Charles Wesley, que estavam
na Geórgia, EUA, procurando fazer alguma obra missionária,
sentiu-se chamado para ir à Geórgia e, assim, decidiu definitivamente que era o
que devia fazer. Não havia navio disponível imediatamente, e havia vários arranjos para fazer, de modo que
ele pôde voltar a Gloucester para despedir-se de sua mãe, dos amigos e
dos parentes. Ele pregou lá, e mais uma vez foi notável. Em certo sentido,
ficou provado que esse foi um ponto decisivo
da sua vida e carreira. Ele tinha alguns parentes em Bristol, cidade
vizinha de Gloucester, e queria despedir-se deles antes de partir para a
Geórgia. Por isso foi para lá. Toda vez que ele ficava sabendo que haveria algum tipo de preleção ou prédica nalguma
igreja num dia de semana, sempre comparecia. Assim, em Bristol ele foi a
uma certa igreja e ali estava sentado com a congregação, quando o homem que deveria pregar reconheceu-o, foi até ele
e lhe pediu que pregasse em seu lugar.
Diz Whitefield: "Sucedeu que eu tinha as anotações de um sermão no
bolso, de modo que concordei em pregar". E o fez. Esse foi, num sentido, o
começo do real fenômeno de George Whitefield. A congregação ficou toda
eletrizada. Ele pregou noutras igrejas, e estas transbordantes também ficaram
transbordante de gente. O povo vinha de toda parte, e nas igrejas ocupava todos
os cantos - junto aos candelabros, no sótão, na galeria, em qualquer ponto,
para estar no edifício e ouvi-lo. Pois bem,
isso é assombroso. Ele pregou em Bristol pela primeira vez em janeiro de 1737. Houve atrasos, e ele ainda não pôde ir
para a Geórgia, e assim pôde fazer mais uma visita a Bristol, em maio de
1737, chegando ali no dia 23. Eis aqui uma
coisa que ajudará vocês a perceberem que fenômeno era este homem.
Lembrem-se, ele era apenas um jovem de
vinte e dois anos de idade, mas é isto o que ele diz sobre a sua segunda
visita a Bristol: "Multidões vinham a
pé ao meu encontro, e muitos vinham em carruagens a uma milha de distância, e quase todos me saudavam e me abençoavam
quando eu andava pela rua". Vocês podem imaginar isso? Um jovem de vinte e
dois anos! Gente caminhando uma milha, viajando em carruagens para
encontrar-se com ele. Era uma espécie de
"desfile real", e tudo resultante da sua admirável e espantosa
pregação. E continuou assim - de volta a Gloucester, em seguida a Oxford
e depois a Londres. Consta que entre agosto
e o Natal de 1737 ele pregou cem vezes, e cada vez a auditórios
repletos. Ele se tomou um dos homens mais famosos de toda a cidade de Londres,
e de todo o país. Havia naquele tempo uma revista muito popular chamada Revista do Cavalheiro ("The
Gentleman's Magazine"), e para alguém ter o nome nela era um feito
e tanto. Pois bem, em novembro de 1737 houve um poema sobre George Whitefield
na Revista do Cavalheiro, e ele ainda tinha somente vinte e dois anos
de idade. Nove sermões dele foram publicados em 1737, e todos tiveram realmente
grande venda.
Então,
afinal, ele pôde ir para a América, e lá passou a maior parte de 1738. Agora,
lembrem-se, este ano de 1738 é o ano em que os dois irmãos Wesley foram convertidos, durante o mês de maio. Todavia
Whitefield voltou à Inglaterra no fim de 1738, por vários motivos. Ora, isto
nos leva ao grande ano de 1739. Voltando aos seus velhos recantos - Gloucester,
Bristol, etc. - começou a ouvir sobre a terrível condição dos mineiros que
viviam naquela vila de Kingswood, situada nos limites de Bristol. Eles levavam
vida muito depravada. Whitefield preocupou-se com eles. Aqueles homens nunca
tinham chegado perto de um lugar de culto,
pelo que ele achou que devia ir a eles, e foi um dia e pregou a apenas
uns cem deles. Mas, de novo, o efeito foi tão tremendo que daí em diante ele começou a pregar a pelo menos cinco mil deles
por vez. Estes homens saíam da mina, não tinham tempo de lavar-se; ficavam de pé, ouvindo; e ali ele lhes pregava. Conta-se que logo ele estava pregando
a vinte mil pessoas, todas a ouvi-lo de pé, ao ar livre. E depois disso, como
eu disse a vocês, ele influenciou os irmãos Wesley a fazerem a mesma coisa.
Entretanto,
quando Whitefield voltou da América, viu que se operara uma grande mudança
aqui em Londres, na atitude dos clérigos e dos pastores para com ele. Quando
partira, estava na crista da onda da popularidade, mas quando voltou viu que
muitas portas estavam fechadas para ele. Por quê?
Bem, houve muitas
razões para isso. Alguns dos seus
convertidos haviam sido um tanto imprudentes, tinham agido de um modo
impróprio do evangelho, e tinham tornado hostis os seus próprios clérigos e
pastores. Além disso, alguns membros do clero realmente nunca tinham gostado da
sua pregação sobre a necessidade absoluta do novo nascimento. Acima de tudo,
partes do Diário que ele tinha começado a produzir tinham sido publicadas, e
eles achavam que isso era exibicionismo, e
que ele estava dizendo coisas que não devia dizer. Estas coisas, sem
dúvida, além de muita inveja, fizeram que
muitas igrejas se fechassem para
ele. Assim, ele foi impelido mais ainda ao ar livre. Negaram-lhe permissão
para pregar na Igreja de Santa Maria, em Islington; justo quando ele estava
para entrar no púlpito, foi detido. Aí ele resolveu então encerrar
tranqüilamente aquele culto. Depois levou o povo para fora e lhe pregou no
pátio da igreja. Tudo isso agravou a situação e os ataques que lhe moviam se
tornaram realmente incríveis. Foram feitos ataques ao seu caráter moral,
ofendendo até a sua aparência pessoal. Whitefield tinham a infelicidade de ter
um olho vesgo, e assim era conhecido pelo povo, pela multidão popular de
Londres, como o "Doutor Olho Torto" ("Doctor Squintum").
Isso, porém, não fazia a menor diferença. O ponto era que ele era este bem
conhecido pregador, e foi como a sua vida continuou.
Ele iria pregar em
Moorfields Common, iria pregar em Marylebone Fields
- logo ao norte da atual Rua Marylebone. Iria pregar no que então se
chamava Feira de Maio, "May Fair", que agora chamamos
"Mayfair". Ele costumava pregar em Kennington Common.
Costumava pregar em Blackheath. De fato, em qualquer lugar onde houvesse um grande espaço aberto, Whitefield só
tinha que se levantar e pregar, e
milhares se reuniam para ouvi-lo. A média de seus ouvintes estava nalgum
ponto próximo dos vinte mil por vez e,
lembrem-se, todos eles tinham que ficar de pé. Não obstante, eles o
faziam com a maior boa vontade.
Ele
simplesmente continuou fazendo isso pelo resto
da sua vida. Fez isso em toda a Inglaterra, fez isso em Gales, como já
lhes falei, fez isso na Escócia, fez isso na América. Assim, este fenômeno
continuou. Quando se ouvia que ele estava nas imediações e logo ia pregar,
lojistas fechavam imediatamente as suas
lojas, pois tinham que ouvi--lo; homens de negócio esqueciam os seus
negócios, lavradores largavam os seus instrumentos de trabalho. Ele podia
conseguir um auditório de milhares a
qualquer hora do dia ou da noite; ele podia consegui-los e mantê-los na neve, na geada, no gelo e na chuva -
não importava quais eram as condições. Na América, num inverno muito frio,
eles costumavam ficar de pé aos milhares ouvindo este homem pregar o evangelho, e os ouvintes percorriam distâncias
intermináveis para terem esta grande oportunidade e privilégio.
Posso
resumir o restante da sua vida dizendo-lhes apenas isto - desde aquele início
ao ar livre daquela maneira em 1739, ele
simplesmente continuou fazendo isso em todos estes países até que, por
fim, às primeiras horas da manhã do dia 30 de setembro de 1770, expirou seu
último alento e partiu para estar com
aquele Senhor que anelara ver desde
os seus primeiros dias como jovem pregador. Seu fim é muito
característico da sua personalidade. Ele
não estava bem de saúde. O admirável é que ele viveu o tempo que viveu.
Pois este homem costumava pregar cinco ou seis vezes por dia. Isso era coisa
comum para ele, e assim ele punha o seu corpo sob uma tensão tremenda. Lá
estava ele; tinha prometido pregar num lugar chamado Newbury Port, na Nova Inglaterra, domingo, 30 de setembro de
1770, e estava viajando naquela direção. Ele teve que passar por um lugar
chamado Exeter, e quando ouviram que ele
estava lá, vieram todos em multidão. Ele tinha que pregar-lhes, e afinal o
persuadiram a fazê-lo. A princípio ele mal podia falar. Estava em condição
física tão fraca, que não conseguia articular as palavras. Ele começou
devagar, e aos poucos começou a reviver. Acabou
pregando para eles por duas horas. Esse era George Whitefield. Ele se
encheu de poder e de forças, e os ouvintes, como de costume, ficaram
profundamente impressionados. Depois chegaram ao
lugar onde devia ficar aquele sábado à noite, em Newbury
Port e, por fim,
disse que ia dormir. Deram-lhe um castiçal com uma vela, mas o lugar estava
cheio de gente. Para onde fosse, as pessoas se aglomeravam em torno
dele, fazendo perguntas, querendo ter uma palavra dele. Este último
quadro dele é maravilhoso, idílico. Ele tentou afastar-se delas, e começou a subir a escada, com a vela
acesa na mão. Depois se voltou e lhes falou de novo, fazendo-lhes outra
exortação. Continuou com a prática até que a
vela se queimou da ponta ao bocal, e
ele só ficou com o castiçal na mão. Finalmente ele foi para o quarto e
para a cama. Teve um forte ataque do que hoje denominamos asma cardíaca, e
morreu. Simplesmente foi, como digo, estar com o Senhor a quem ele tanto amava.
Quando vocês lerem os seus maravilhosos diários, prestem atenção no modo como ele ansiava estar com o Senhor. Não
era um simples falar; era isso que ele queria dizer; ele foi repreendido
algumas vezes por dizer isso, porém era o
seu maior desejo, e afinal isso lhe foi concedido. Bem, aí está o
fenômeno abarcado pelo nome de George Whitefield, e aí está por que é bom
lembrar-nos disso tudo.
Ali estava um
homem capaz de pregar daquela maneira a todas as classes. Havia muitos que o
seguiam, dentre os membros da aristocracia daqui de Londres. A condessa de
Huntington achava que não havia nenhum homem como ele, como pregador, e
costumava abrir as salas da sua grande casa e convidar todos os principais
elementos da aristocracia da época para ouvi-lo; e eles se deliciavam ouvindo
Whitefield. Ele era o maior desses pregadores que pregavam para a
aristocracia, todavia como lhes fiz lembrar, ele era também o maior pregador
para os mineiros, o maior pregador para as multidões de Moorfields, Kennington
Common e de onde mais acontecia ele estar.
Ele podia pregar igualmente bem às crianças do orfanato. Que homem
estupendo e admirável ele era!
Ele
também era supremo na questão de coletar dinheiro. Ele fundou um orfanato na
Geórgia, e o custo para mantê-lo era muito
grande. Assim, ele se acostumou a pregar um sermão e, depois, levantar
uma coleta. Costumava conseguir enormes coletas de dinheiro, e com esse dinheiro também costuma-
va ajudar quem quer que estivesse em necessidade, qualquer pessoa pobre, todo aquele que
estivesse em dificuldade. Toda a Inglaterra falava dele. Sempre se sabia
quando ele estava em Londres, e ele atraía gente de todas as classes ou de
todas as camadas da sociedade.
Por Martyn Lloyd-Jones
(Livro João Calvino e George Whitefield)