terça-feira, 6 de maio de 2014

Resumo do Livro: O Cristianismo Através dos Séculos - Início e Expansão da Reforma Protestante


Este resumo do livro O Cristianismo Através dos Séculos, de Earle E. Cairns trata do período da Reforma Protestante que abalou o mundo e as estruturas do catolicismo Romano no século XVI. Ler sobre a história da Igreja é importante porque conhecemos os feitos de homens que deram sua vida pela verdade e foram exemplos para a igreja atual, que vive em meio aos problemas semelhantes aos mesmos enfrentados pelos reformadores. O propósito é buscar os acertos e procurar repeti-los e, ao encontrarmos os erros, procurar não cair neles. Além de conhecermos a nossa história, a fim de preservamos nossa identidade cristã.



Início da Reforma e Expansão
Vários fatores contribuíram para a Reforma. A emergência do novo mundo que estava em expansão provocou mudanças geográficas, políticas, econômicas, sociais, intelectuais e religiosas que afetaram todo o mundo e indireta ou diretamente ocasionaram a reforma. Conforme o autor nos mostra, a reforma tem um sentido que é condicionado pela visão do historiador, o historiador católico enxerga como uma revolta contra a igreja universal. Já o protestante como uma reforma da vida religiosa e o secular como um movimento revolucionário. Das várias razões, ele destaca o surgimento de uma política descentralizada, o enriquecimento do papado em detrimento dos países, a renascença, o humanismo, corrupção dos líderes religiosos, e vários outros fatores sociais e religiosos que impulsionaram a reforma. Após nos apresentar uma visão contextual do mundo no período da reforma, o autor começa a nos apresentar os reformadores. Como não poderia ser diferente, o primeiro reformador foi Martinho Lutero na Alemanha. Lemos um pouco sobre sua formação, destacando o modo disciplinado e duro que foi criado tanto pelos pais como pelos seus professores quando criança. Foi à faculdade, aprendeu latim e na faculdade de Erfurt, em 1501, começou a estudar a filosofia de Aristóteles sob a influência de professores humanistas que seguiam ideias de Guilherme Occam. O pai dele queria que ele estudasse direito, mas numa tempestade Lutero prometeu a Santa Ana que se fosse seguro iria se tornar monge. Depois disso, ele entrou num mosteiro e em 1507, foi ordenado e celebrou a primeira missa. Sua luta com a consciência que o acusava dos seus pecados e a ideia da ira de Deus que Lutero tinha o levou a passar por várias crises ao ponto de perder sua paz interior, mas entre 1512 e 1516, quando preparava suas aulas, encontrou a paz interior através do livro de Romanos 1. 17. A partir daí vários conceitos católicos romanos mudaram na visão de Lutero que o fez afixar as 95 teses na porta do castelo de Wittenberg, esse ato deu início a Reforma Protestante e mais tarde, após um debate com John Eck, Lutero foi levado a admitir a falibilidade de um concílio geral e a confessar a sua relutância em aceitar as decisões do papa sem questioná-las, e a validade de muitas ideias de Huss. E em 1520, Leão X lançou uma bula que resultou na excomunhão de Lutero. Do ano 1521 a março de 1522, ele ficou no Castelo de Wartburg, devido a perseguição. Durante esse período, servindo-se da edição do novo testamento grego, feita por Erasmo, traduziu a bíblia para o alemão. Lutero contribuiu com várias outras obras teológicas que serviu de base para a Reforma, teve vários embates com anabatistas, humanistas e até Zwínglio acerca da presença de Cristo na ceia. Em 1546, o Reformador morreu, ficando a liderança do movimento luterano com Melanchton. A Reforma também chegou na Suíça. O autor destaca três tipos de teologia desenvolvidos nos territórios suíços. Os cantões do norte seguiram Zwínglio, os do Sul seguiram Calvino e alguns que tinham trabalhado com Zwínglio, conhecidos como anabatistas seguiram o seu próprio caminho. Começando com Zwínglio, pertencente a primeira geração de reformadores, se formou na universidade de Basiléia em artes, em 1504, recebendo grau de mestre dois anos depois. Serviu ao papado como capelão e fervoroso compatriota. Entre 1516 e 1518, serviu como pastor e começou a e opor a alguns abusos do sistema romano das indulgências e a imagem negra da virgem Maria. Converteu-se em meio a uma epidemia bubônica em 1519 e após declarar que os dízimos não eram uma exigência divina, mas uma questão de voluntariedade, abalou as bases financeiras do sistema romano, levantando a bandeira da Reforma. Após um debate, o conselho da cidade decidiu-se pelos ensinos de Zwínglio e suas ideias ganharam logo condição de legalidade. Em 1527, um sínodo das igrejas evangélicas suíças foi formado e a bíblia traduzida para a língua do povo. Zwínglio morreu combatendo com os seus soldados como capelão. O outro grupo chamado de Anabatistas surgiu primeiro na Suíça devido a liberdade neste país. Temos três principais líderes do movimento, Conrad Grebel, Balthasar Humbmaier e Meno Simons, sendo este último o responsável pela não extinção do movimento. O terceiro grupo e o mais influente reformador foi João Calvino, tanto que o movimento ficou conhecido como calvinismo, e conforme o autor nos mostra, o termo “fé reformada” aplica-se ao sistema de teologia desenvolvido a partir do sistema de Calvino. Dividindo sua vida em dois momentos, temos um estudante distraído, até 1536; de 1536 até 1564 o grande líder de Genebra. Nasceu na França, seu pai era um respeitado cidadão, e isso possibilitou a educação de Calvino através dos benefícios eclesiásticos. Formou-se em direito e adotou as ideias protestantes, convertendo-se entre 1532 e 1533. Sua maior e mais influente obra chama-se Institutas da Religião Cristã, que escreveu quando ainda tinha 26 anos de idade. A sua teologia é resumida no acróstico TELIP (TULIP em inglês), e é permeada pela soberania absoluta de Deus. O autor nos diz que embora a teologia de Calvino se pareça com a de Agostinho, ela se deve mais ao estudo da Bíblia do que Agostinho. Calvino não teria sido o grande reformador se não fosse por Guilherme Farel, que o convenceu a trabalhar a favor da reforma, mesmo Calvino se recusando, Farel insistiu até o jovem Calvino aceitar seu convite. Morreu em 1564, mas suas contribuições foram muitas, desde os escritos ao avanço da democracia. O calvinismo, ou fé reformada ganhou muito espaço durante o século XVI em outras regiões europeias. Começamos pela França, onde iniciou uma irrupção da Reforma através dos escritos de Lutero, mas devido a grande influência de Calvino, o calvinismo foi mais aceito. Na Alemanha o calvinismo foi uma opção para aqueles que haviam se afastado de Lutero, cuja influência calvinista na Alemanha preparou o Catecismo de Heidelberg. Na Hungria o avanço deu-se através de Húngaros que iam estudar em Genebra e Wittenberg e quando voltavam ao seu país, divulgavam a fé reformada o que fez povo húngaro adotar o protestantismo rapidamente. John Knox foi o responsável pela reforma na Escócia. Homem corajoso e muito influenciado por Calvino. Os presbiterianos que colonizaram a Irlanda levaram também a Reforma, mas a Irlanda do Norte permaneceu fiel ao papa. Já na Holanda o Luteranismo não foi bem aceito, mas devido ser mais democrático, o calvinismo lhes interessou e vale lembrar que este foi o único país conquistado pelo protestantismo depois da Contra-Reforma. A Reforma na Inglaterra, o autor trata de forma mais apurada, devido sua enorme extensão. As causas apontadas para a Reforma foram à dominação da igreja romana, o fator intelectual, em especial, os estudos dos humanistas que se voltaram para a Bíblia, e a tradução da Bíblia para a língua inglesa feita por William Tyndale e Miles Coverdale. Mas o fator direto foi o desejo de Henrique VIII de casar-se novamente com Ana e separar-se de Catarina sua esposa. Quando Henrique morreu, Eduardo VI, seu filho, assumiu o trono e intensificou a Reforma na Inglaterra, mas Maria que era católica de coração, foi a responsável por fazer a reação católica. Após veio Elisabeth e conseguiu ter certa moderação quanto a que grupo religioso seguir. Não podemos esquecer que foi na Inglaterra que urgiram os puritanos e separatistas. Os primeiros, não eram dissidentes, mas uma parte da igreja Anglicana que queriam uma igreja presbiteriana. Seu principal defensor foi Thomas Cartwright, professor de teologia em Cambridge. Já o segundo grupo, queriam tornar a igreja congregacional, foram conhecidos como independentes. Henry Jacob um dos seus líderes. Um grupo de separatista, devido a perseguição, emigraram para Amsterdã sob a liderança de John Smith e foram influenciados pelos menonitas. Smith se auto batizou e, em seguida, batizou todos os membros da sua congregação. Mas grande parte deste grupo se juntou aos menonitas e outra parte, sob a liderança de Thomas Helwys retornaram à Inglaterra em 1612 e organizaram a primeira igreja batista inglesa. Batizavam por afusão e seguiam as doutrinas arminianas, por isso ficaram conhecidos como Batistas Gerais. Outro grupo mais forte de batistas calvinistas, que foram chamados de particulares surgiu de um cisma da congregação de Henry Jacob, em Londres, em 1633. Estes sustentavam o batismo de crentes por imersão, e uma teologia calvinista. Esta congregação foi a mais influente do movimento batista inglês, conforme o autor registra.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Colóquio de Hermenêutica II: A mulher pode Exercer o Ministério Pastoral?




          I. Paulo defende que a mulher não pode exercer ministério no Corpo de Cristo, segundo 1 Coríntios 14.34-35 e 1 Timóteo 2.11-15?

Análise Histórico-Cultural:
1 Coríntios: Em qualquer discussão sobre os regulamentos atinentes às mulheres, convêm que nos lembremos que as mulheres eram tidas em bem baixa conta, na estimativa dos judeus. Muitos rabinos duvidavam que as mulheres tivessem alma. Se um escravo do sexo masculino podia ler as escrituras na sinagoga, uma mulher judia não tinha permissão para tanto. Nenhuma mulher podia freqüentar uma escola de teologia. Essa era uma ordenança judaica; as mulheres não era permitido ensinar nas assembléias, e nem mesmo fazerem indagações. Os rabinos ensinavam que ‘uma mulher não deve saber outra coisa senão como usar os seus utensílios caseiros’. E as declarações do rabino Eliezer, conforme transmitidas por Bammidbar Rabba, foi que são ambas dignas de observação e de execração. Essas declarações são as seguintes: “Antes sejam queimadas as palavras da lei, do que serem elas ensinadas a uma mulher”.
1 Timóteo: É consenso entre os estudiosos que Paulo a escreveu para instruir Timóteo a combater uma perigosa heresia que havia se infiltrado na igreja de Éfeso, que estava sob a sua responsabilidade.
Paulo não dá muitos detalhes na carta sobre a natureza dessa heresia, provavelmente porque Timóteo estava perfeitamente a par do problema. Mas na própria carta temos várias indicações dos problemas enfrentados por Timóteo. Os falsos mestres em Éfeso estavam semeando dissensões e se ocupando com trivialidades, ensinavam que a prática ascética era um meio para se alcançar uma espiritualidade mais elevada. Estavam ensinando a abstinência de certas comidas, do casamento, e do sexo em geral. Possivelmente estavam ensinando que o treinamento físico também servia para se alcançar esta espiritualidade; Várias mulheres da igreja estavam seguindo os falsos mestres e seus ensinos; Aparentemente, os falsos mestres estavam encorajando tais mulheres a trocarem o seu papel costumeiro no lar por uma atitude mais igualitária com respeito a seus maridos, e aos homens em geral.
O programa dos falsos mestres incluía denegrir o casamento, e isso certamente induziria ao abandono das funções tradicionais da mulher no lar. Algumas evidências sugerem esta interpretação. Em suas instruções às viúvas, Paulo determina que as mais novas se casem, tenham filhos e cuidem das suas casas; visto que já "algumas se desviaram, seguindo a Satanás", Desde que Paulo considera o ensino dos falsos mestres como sendo "ensino de demônios". Embora não saibamos os motivos com exatidão, transparece claramente que o ensino dos falsos mestres em Éfeso incluía a rejeição dos papéis tradicionais das mulheres no casamento, e um encorajamento a que elas reivindicassem papéis iguais na igreja e nos lares.
A situação parece bastante similar à da igreja de Corinto, onde as mulheres procuravam exercer no culto funções até então privativas dos homens cristãos. É contra este pano de fundo que Paulo determina às mulheres da igreja de Éfeso que aprendam em silêncio, que não ensinem nem exerçam autoridade sobre os homens, e que estejam em perfeita submissão.

Análise Gramatical:
“α γυνακες ν τας κκλησαις σιγτωσαν, ο γρ πιτρπεται ατας λαλεν· λλ ποτασσσθωσαν, καθς κα νµος λγει. 35 ε δ τι µαθεν θλουσιν, ν οκ τος δους νδρας περωττωσαν, ασχρν γρ στιν γυναικ λαλεν ν κκλησίᾳ”. (1 Corintios 14.35 – 36).
Falar- No original grego encontramos o verbo “lalein”, que se refere a qualquer modalidade de elocução verbal, incluindo a pregação e ate mesmo a conversação publica ou particular.
Vergonhoso - Trata-se da mesma palavra forte que Paulo usara, ao aludir ao costume das mulheres de raparem seus cabelos (ver I Cor. 11:6). E como se o apostolo houvesse escrito: É realmente escandaloso uma mulher falar publicamente, perante a congregação, ou perante qualquer porção da mesma, como uma função da igreja. 

“γυν ν συχίᾳ µανθαντω ν πσ ποταγ· 12 διδσκειν δ γυναικ οκ πιτρπω, οδ αθεντεν νδρς, λλ. εναι ν συχίᾳ. 13 δµ γρ πρτος πλσθη, ετα Εα· 14 κα δµ οκ πατθη, δ γυν ξαπατηθεσα ν παραβσει γγονεν. 15 σωθσεται δ δι τς τεκνογονας, ἐὰν µενωσιν ν πστει κα γπ κα γιασµ µετ σωφροσνης”. (1Timoteo 2. 11 – 15).

...silencio..., isto é, não orando, lendo as Escrituras ou ensinando em voz alta, na igreja.
...toda a submissão... No grego é “upotage, que significa sujeição, subordinação, obediência”. E isso tanto para com os maridos como para com os homens que são líderes da igreja, para que as mulheres não saíssem da linha apropriada para as mulheres, conforme ensinar, ler ou orar em público era considerado.
...exerça autoridade... No grego e authenteo, que significa ter autoridade sobre, dominar”, palavra encontrada exclusivamente aqui, em todo ο N.T. o que significa que se trata de uma das cento e setenta e cinco palavras peculiares a estas epistolas pastorais. Talvez esse vocábulo possa significar interpretar, mas essa maneira de compreender está fora de lugar. As evidencias léxicas favorecem a ideia de autoridade. O termo authentes, no grego, significa dominador absoluto, embora também fosse empregado para indicar assassino ou suicida. Todavia, a maioria dos estudiosos concorda que aqui esta em pauta a ideia de autoridade. Por conseguinte, as mulheres crentes não é lícito orar ou ler em voz alta, ensinar na igreja ou ocupar qualquer posição de autoridade, que a ponha sobre os hortiens, usurpando o lugar que cabe a eles.

Análise teológica:
Transparece do texto que ele não permite que a mulher, em posição de autoridade, ensine os homens. Nas Cartas Pastorais, ensinar sempre tem o sentido restrito de instrução doutrinária autoritativa, feita com o peso da autoridade oficial dos pastores e presbíteros (1 Tm 4.11; 6.2; 5.17). Ao que tudo indica, algumas mulheres da igreja de Éfeso, insufladas pelo ensino dos falsos mestres, estavam querendo essa posição oficial para ensinar nas assembléias cristãs. Paulo, porém, corrige a situação determinando que elas não assumam posição de liderança autorizada nas igrejas, para ensinarem doutrina cristã nos cultos, onde certamente homens estariam presentes. Paulo não está proibindo todo e qualquer tipo de ensino feito por mulheres nas igrejas. Profetizas na igreja apostólica certamente tinham algo a dizer aos homens durante os cultos. Para o apóstolo, a questão é o exercício de autoridade sobre homens, e não o ensino. O ministério didático feminino, exercido com o múnus da autoridade que ofícios de pastor e presbítero emprestam, seria uma violação dos princípios que Paulo percebe na criação e na queda.
O ensinar que Paulo não permite é aquele em que a mulher assume uma posição de autoridade eclesiástica sobre o homem. Isso é evidente do fato que Paulo fundamenta seu ensino nas diferenças com que homem e mulher foram criados (v. 13), e pela frase "autoridade sobre o homem" (v. 12b). Um equivalente moderno seria a ordenação como ministro da Palavra, para pregar a Palavra de Deus numa igreja local.
De qualquer forma, fica evidente que a atitude que o apóstolo exigia das mulheres cristãs de Éfeso, envenenadas pelo ensino dos falsos mestres, era de submissão e silêncio, quanto ao aprendizado da doutrina cristã nas assembléias. A proibição de exercer autoridade sobre os homens exclui as mulheres do ofício de presbítero, que é essencialmente o de governar e presidir a casa de Deus (1 Tm 3.4-5; 5.17), embora não as exclua de exercer outras atividades nas igrejas.
Quase que todos os livros do Novo Testamento foram escritos em resposta a uma situação específica de uma ou mais comunidades cristãs do século I, e nem por isto intérpretes igualitaristas defendem que nada do Novo Testamento se aplica às igrejas cristãs de hoje. A carta aos Gálatas, por exemplo, onde Paulo expõe a doutrina da justificação pela fé somente, foi escrita para combater o legalismo dos judaizantes que procuravam minar as igrejas gentílicas da Galácia, em meados do século I. Ousaríamos dizer que o ensino de Paulo sobre a justificação pela fé não tem mais relevância para as igrejas do final do século XX, por ter sido exposto em reação a uma heresia que afligia igrejas locais no século I? O ponto é que existem princípios e verdades permanentes que foram expressos para atender a questões locais, culturais e passageiras. Passam as circunstâncias históricas, mas o princípio teológico permanece. Assim, o comportamento inadequado das mulheres de Corinto e de Éfeso, e as heresias que o provocaram, cessaram historicamente, mas os princípios aplicados por Paulo para resolver os problemas causados por estas heresias permanecem válidos. Ou seja, o ensino de que as mulheres devem estar submissas à liderança masculina nas igrejas e na família, sem ocupar posições de liderança e governo, é o princípio permanente e válido para todas as épocas e culturas.
É evidente que há elementos no Novo Testamento que pertencem à cultura do século I. Por exemplo, nenhum estudioso sério afirmaria que a orientação de Paulo para que os cristãos se saúdem com "ósculo santo" (1 Co 16.20) é para ser observada literalmente nas igrejas ocidentais contemporâneas. Entretanto, o princípio que está por detrás desta orientação é permanente, ou seja, que os cristãos devem se saudar de forma santa, qualquer que seja a época ou cultura em que vivam. Obviamente, a forma em que essa saudação ocorrerá dependerá dos costumes locais, mas o princípio permanece o mesmo.
É exatamente o que ocorre quanto à determinação de Paulo para que as mulheres de Corinto usem o véu. O princípio por detrás desta ordem, conforme estudamos acima, é o de se apresentarem nos cultos em plena submissão à liderança masculina cristã. O uso do véu é a forma contextualizada pelo qual esse princípio se expressava. Hoje em dia, nas culturas ocidentais, o uso do véu não é uma expressão apropriada deste princípio.
O princípio permanente que está subjacente em 1 Coríntios 11.2-16, 14.34-35 e 1 Tm 2.11-12 é o de que se mantenham as distinções e os papéis intrínsecos ao homem e à mulher na igreja e na família. Assim, a mulher não deve inverter os papéis, e ocupar posição de autoridade sobre os homens, quer seja para governá-los ou ensiná-los.

sábado, 19 de abril de 2014

Colóquio de Hermenêutica I: Salvos pela Fé ou pelas Obras?

E.
          Este colóquio foi elaborado para a aula de Hermenêutica no Seminário Teológico. As três postagens abordam três assuntos específicos: Relação entre Fé e Obras, Ordenação Feminina ao Pastorado e as palavras de Jesus sobre Pedro ser ou não a Pedra. Este primeiro texto aborda o primeiro assunto mencionado. Então vamos aprender um pouco mais sobre a Palavra de Deus nessa primeira postagem.
 
Qual a relação da fé salvífica de Paulo em Efésios 2.8 com a questão das obras em Tiago 2.24?


Análise Histórico-Cultural: O problema que Paulo enfrentava era o da oposição de pessoas que confiavam na sua guarda da lei para salvação (como ele mesmo havia feito durante o seu período farisaico); assim, ele ensinava que a pessoa era justificada pela fé à parte das obras da lei – isto é, obras feitas como meios de comprar a salvação. Desde cedo Paulo enfrentou aqueles judeus que começaram a fazer parte da igreja e queriam que todos os crentes, gentios ou não, guardassem a lei, mais especificamente a circuncisão, caso contrário, não seriam salvos. Isso ocasionou inclusive o primeiro concílio da igreja em Atos 15.

Tiago, porém, estava combatendo pessoas inclinadas a pensar que uma crença meramente intelectual nas verdades do Cristianismo era suficiente para a salvação. É de comum acordo entre a grande maioria dos estudiosos que mesmo sendo uma epístola geral, Tiago estaria dirigindo-se a uma comunidade de judeus, percebemos pela sua saudação e analogias utilizando o A.T.



Análise Gramatical: 

ρτε τι ξ ργων δικαιοται νθρωπος κα οκ κ πστεως µνον”. Tiago. 2.24
“τ γρ χριτ στε σεσσµνοι δι πστεως· κα τοτο οκ ξ µν θεο τ δρον”. Efésios 2.8

Tanto Paulo como Tiago referem-se à palavra nos dois versículos analisados. A palavra obras que Tiago usa é também a mesma que Paulo usa nas suas epístolas. Mas Paulo a usa acompanhada da palavra “Lei”. Deve-se notar, no entanto, que as obras sobre as quais Tiago escreve não são as mesmas que Paulo tinha em mente. Paulo, em sua argumentação, sempre usa a expressão “obras da lei” ou “obras de lei” (ergon nomou), quando diz que somos justificados à parte das obras (Romanos 3.20, 28; Gálatas 2.16). Quando Tiago fala de obras, por outro lado, ele não as chama de “obras da lei”, mas simplesmente “obras” (ergon).



Análise teológica:

Pelo contexto das espístolas paulinas que tratam desse assunto mais profundamente como Romanos e Gálatas, percebemos claramente Paulo combatendo claramente a salvação através das obras da lei.  Resta a questão do que significa, no dizer de Tiago, que alguém é justificado pelas obras (Tiago 2.21,24). Está ele contradizendo Paulo? Não se entendermos corretamente o uso que Tiago faz da palavra “justificar” (dikaioo). Quando Tiago diz que Abraão foi justificados pelas obras ao oferecer Isaque sobre o altar (v.21), não está negando que Abraão foi realmente justificado muito tempo antes que isso ocorresse – quando, segundo Gênesis 15.6, “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça”. O ponto que Tiago focaliza é que “foi pelas obras que a fé se consumou” (eteleiothe – “chegou aos seu objetivo) (v.22); ou seja, que a obra de oferecer Isaque revelava que a fé pela qual Abraão havia sido justificado era a fé verdadeira. Essa obra mostrava que a fé de Abraão era genuína. Sugiro, então, que o entendimento de dikaioo em Tiago signifique: “ser revelado como justificado”. James Packer coloca assim:

Em Tiago 2.21, 24, 25 sua referência [a dikaioo] é prova de sua aceitação por Deus, que acontece quando suas ações mostram que ela tem o tipo de fé viva e operosa à qual Deus imputa justiça. A justificação que Tiago enfoca não é a aceitação original por Deus, mas a subsequente reivindicação de sua profissão de fé em sua vida. É na terminologia, não na teologia, que Tiago difere de Paulo.

O verso 24 poderia, então, ser traduzido assim: “Você vê que um homem é revelado como justificado pelas obras e não pela fé somente”, isto é, que uma pessoa não será justificada pela fé que permanece só, mas pela fé que revela sua genuinidade por meio de obras de graciosa obediência.

         Assim, a despeito da aparente contradição entre Paulo e Tiago, há aí uma profunda unidade. Paulo concordaria com Tiago que só a fé viva justifica. Paulo e Tiago concordariam com o dito de Calvino:

         “É a fé sozinha que nos justifica, mas no entanto, a fé que justifica não está sozinha”.